Git Statua: Memórias de um Desenvolvedor Frustrado
Ah, a vida de programador(x). Só quem vive nela sabe como é. Muitas pessoas de fora que te ouvem descrever a profissão costumam pensar:
“- Puxa, tu deve ser um dos mais inteligentes!”
“- Deve conseguir hackear um site!”
“- Sabe tudo de informática!”
A superestimação do que fazemos é bem grande, mesmo que em alguns casos as inferências sejam corretas. Agora quando elas passam bem longe disso a coisa complica.
A propósito, você pode estar se perguntando o que é “Git Statua”. Você, que veio aqui e não tem muita prática com desenvolvimento pode não saber o que é. Você, desenvolvedor, sabe o que é. Pode não querer admitir, mas sabe lá no fundo o que significa. Aquela vergonha que você quer esconder a todo o custo, aquele erro bobo que você cometeu que te traz o risco de ser chamado de burro, incompetente ou pior. Git Statua é quando você tem aquela confiança que vai fazer tudo certo, mas toma na cara no primeiro instante. O cérebro pode demorar para processar como alguém tão bom quanto você conseguiu cometer tal atrocidade. Em seguida, você pode fazer a correção, como digitar “Git Status” e rodar o comando corretamente, sentindo raiva ou vergonha do erro que cometeu. Se você fez isso em um pair programming ou durante uma apresentação, triplique essa sensação. Os chefes ou seniors olhando com cara feia, segurando o riso, ou pior: não esboçando reação nenhuma. Na sua cabeça pode passar a imagem de todos anotando no report “Não é bom o suficiente”.
Esse simples exemplo é um caso que pode ser chamado de síndrome troca-letras (não seria que nem o Cebolinha porque nos referimos apenas à escrita). Aquelas horas que se perde analisando erros de código para no final descobrir que você escreveu cleinte, emial, dispaly, backgorund… Se você detectar esses errinhos antes de publicar as alterações, ótimo. Agora se isso for publicado em algum ambiente, ou pior, cair em produção, segura a peruca. O importante nesses casos não é tanto a gravidade do erro, que pode ser resolvido mais rápido que o Flash depois de altas doses de café, mas sim o tempo que você leva para encontrar esses errinhos sem ficar careca, destruir o mouse ou estourar o horário da tarefa. Erros similares, mas que podem ser divertidos, são os logs de console. Quando você larga aquele texto desprovido de vergonha nos testes de funcionalidade e esquece de tirar ele de lá. São divertidos porque dificilmente vão afetar negativamente a aplicação (a não ser que você tenha escrito conosle.log com uma variável quebrada, neste caso parabéns). Com sorte você encontra pérolas como “Megadeth”, “Bunda” ou textos que parecem cânticos satânicos.
Os exemplos acima são só a ponta do iceberg. Deslizes muito pequenos, mas que podem causar um grande desconforto. Imagine passar uma tarde montando uma página HTML quando seu chefe revisa e comenta que o sombreado parece um “Bambu Tron”, devido a duas sombras azuis que se encostaram demais e você não viu, e vai ter que refazer boa parte da diagramação. Aquele dia que você virou a noite para finalizar uma tarefa, deu um chega pra lá na pessoa amada, no gato, nos filhos, no cachorro, conseguiu acabar tudo um segundo antes do sol amanhecer, chegou radiante no dia seguinte e viu que não publicou as alterações. Ou pior, está tudo quebrando aos poucos no momento que você decidiu dar aquela testadinha pra garantir. A daily começa em dez minutos, vai levar duas horas para ajustar os bugs, mais trinta minutos da publicação, seu colega está te chamando pra pedir uma ajuda, a chefe do RH te chamou para pedir um documento. Nesse momento sua terceira peruca já se esfacelou toda no chão. A janela parece convidativa. Outro caso que pode frustrar muito é quando você terminou a tarefa, está bem testada, tudo funcionando direitinho. Mas o código ficou uma bagunça! Só você entende o que você fez, as funcionalidades estão confusas e muito espalhadas, tem muita redundância e complexidade, comentários explicando cada pedaço de vergonha que você deixou (muitas vezes sabendo que é vergonhoso) e mais de 300 linhas que poderiam ser bem reduzidas. Consequentemente, o revisor do seu código vai largar não menos que 30 comentários para você ajustar o que você fez. Quer frustração maior do que ter uma tarefa que você acreditou estar finalizada, a qual você vai ter que passar quase o dobro do tempo refazendo porque o código não ficou tão legível como deveria?
Se você se identificou bem com pelo menos algum desses casos, é possível que seu transtorno psicológico tenha reativado e você esteja com uma peruca inteira espalhada na sua mesa, ou com um pote de Haagen Dazs vazio do seu lado. Foi muito difícil guardar esses sacrilégios no fundo da mente, e agora estão vindo à tona de novo. Parece que não há como se livrar deles. A verdade é: não importa para onde você fugir, não vai escapar desses problemas. ( Risada maléfica). É verdade mesmo, isso tudo indica que você é perfeitamente normal. Erros desse tipo acontecem toda hora, afinal somos humanos e a informática é cheia de nuances. Os erros podem nos ensinar mais do que os acertos, devido à forma que eles nos marcam. Porém, a sociedade corporativa historicamente prega a ideia que errar é errado (faz sentido?), o que nos faz nos sentir pior a cada deslize. Conviver e aprender com os erros é a melhor abordagem. Ao invés de escondê-los em um canto escuro, transforme eles em soluções. Aplique técnicas que previnam problemas de atenção, como instalar Lints nos editores de texto para evitar a síndrome troca-letras, checklists para verificar pontos que você frequentemente deixa passar de forma natural, de forma que te forcem a prestar mais atenção ao longo do tempo. Respire fundo, tome uma água ou café, ouça uma música, tente resolver cada problema com passos de bebê. Busque sobre o problema que você acabou de enfrentar. Ria internamente dos seus erros (pode ajudar mais que o stress da inferioridade, acredite). Caso o fato de errar ainda seja muito problemático, registre todos os erros cometidos, aplique as técnicas necessárias e siga contando. Aumente o controle sobre eles. Se ver o número de erros reduzindo, você já pode ter uma sensação de alívio que vai diminuir o nervosismo e deixar seu cabelo intacto.
Bom, não esqueça que esse artigo é mais um desabafo do que um tutorial (veja o título, não há “Dicas” ou “Tutorial” escrito nele), então não leve nada disso como verdade absoluta. Se isso ajudar você a ser menos frustrado na profissão, ótimo.
Tem algum momento “Git Statua” para compartilhar? Aquele errinho bobo que não sai da sua cabeça? Fique à vontade para comentar.
Grande abraço e siga em frente!
Artur Balestro
Originally published at https://medium.com on September 25, 2020.